quarta-feira, 18 de outubro de 2017

nosso mundo, veludo


no universo de amores
mudos e estéreis 
ela é voz doce, 
aveludada,
voz-corpo e voz-alma

me olha e me desperta
não diz nada
e sinto tudo
sentimos tudo
dos pés à cabeça

e, num beijo,
dou a volta ao mundo umas 40 vezes
e a gente flui e flutua 

porcos-espinhos reais


ele tem cheiro de príncipe
(o cheiro é muito bom, de fato)
mas eu nunca fui afeita a eles

mesmo assim, amei
apesar de um príncipe;
não amei por isso,
bem pelo contrário

amei pela bagunça organizada
pela parceria que me desafiava a fazer mais
pelo carinho louco e mordaz

amei pela segurança insegura
pela corda bamba
pela gangorra e pelo trampolim

desenhei sonhos e futuros com as palavras
só pra ele,
palavras que nunca existiram pra mim
nem antes nem depois

só existiam em instantes
diante dos olhos azuis do príncipe que eu amei
(apesar de príncipe)

depois eu nem me reconhecia
era tudo tão estranho,
me dava uma tonteira

por vezes, dor de cabeça,
por outras, aperto no peito

eu nem sabia direito o porquê
só sabia que eu e o príncipe éramos de 2 galáxias diferentes
2 dimensões, talvez

por vezes, a gente se tocava
circulava juntos

mas éramos como que 2 porco-espinhos juntos
tentando se abraçar e se esquentar
pra se proteger do mundo frio

schopenhauer pontuou esse dilema dos animaizinhos
e depois freud usou a mesma anedota pra levantar a seguinte questão:
quanta intimidade nós podemos suportar?

- perto demais machuca, algum de nós dizia
enquanto os espinhos do outro furavam;
- longe demais congela, eu pensava
- longe demais congela, eu negava
- longe demais congela, eu sorria

(...)

e ele,
é príncipe ou porco-espinho como eu?
ih, nem sei

nem tão longe e nem tão perto,
sigo tentando


duro

parece que foi tudo um filme
um filme bom, com drama e cores
que se passava em alguma cidade chuvosa
talvez lyon
no inverno

por vezes parecia ser um filme longo,
por outras soava curto;
pairava no ar a grande dúvida:
eles se conhecem como jamais ninguém os conheceu
ou não se conhecem at all?
os 2 extremos oscilavam, como que numa dança
nem os extremos decidiam-se se queriam sê-lo e impor-se sozinhos
subtraindo o outro;
nem eles sabiam se gostavam mais de si ou de seu oposto

tivemos risos
sexo palavras cheias pulsantes e mágicas
abraços palco malas voos
olhares mãos cheiros
ideias ouvidos força
cafuné e até
flocos
de
certeza

eu quis tanto,
amei tanto,
e em certo ponto
eu também queria a paz
que nem você me ensinou

(...)

mas eu não tinha paz
nem sei se eu conheço isso
visitei a sensação por vezes,
fugazmente

me parece até com uma leveza diante da morte,
da falta de movimento,
da rotina e do tédio que sitia as almas

não precisava bater assim
como batia pra mim,
mas paz em solidão nem sempre é paz
(às vezes a gente se engana)

a gente esquece que paz é a nossa paz
e que ela pode vir em qualquer canto:
meio a um show,
uma maratona,
uma leitura
ou uma trepada

- ah, claro, e também ficando em casa
dormindinho
assistindo netflix
desconectados das relações
na famosa preguiça

é que paz pode ser menos aquilo que você me ensinou
de não ser incomodado
(ou tocado?)
e mais o feeling de estar onde se quer;

naquelas horas que,
dada a conexão,
a gente sabe que não há mais nada
nenhum outro lugar amável naquele momento
nenhuma outra pessoa bonita e interessante nos instantes do encontro
nenhum outro ângulo tão aveludado
nenhum beijo tão puro
nenhuma conversa tão gostosa

é que
se a gente não tivesse ali
nada daquilo teria se dado
seria nada, vácuo

e, após amarmos,
é duro pensar na falta do que se ama
na sua não existência

põe duro nisso,
não é mesmo?